quarta-feira, 7 de julho de 2021

1º ANO - 07 DE JULHO DE 2021

 

Ô Copacabana!

João Antônio

[...] Das praças do nosso bairro, poucas e mirradas, uma é um capítulo nordestino, com variações para o norte, inda mais naquele trecho em que há uma touceira de palmeiras ao lado dos bancos laterais.

Ali, ninguém sabe quem foi quem. E, menos ainda, quem foi Serzedelo Correia. Senador da República Velha, cientista, vendedor de terrenos, líder de alguma revolução democrática que tenha salvado o País de alguma ideologia esquisita? Um velho morador, dos poucos que têm trinta anos de bairro, garantiu que não foi nenhum homem famoso, importante ou “sério”. Também não soube dizer quem era e o que fazia, quando vivo, Serzedelo Correia. Hoje, o nome virou estátua, um busto lá no meio da praça.

Ainda não tivemos tempo, cá no bairro, para termos nomes famosos e, como num verso de Mário de Andrade, na Praça Serzedelo Correia envelhecemos sem saber de nada. E, desconfiando que tenha sido hábil especulador imobiliário desses que correm a perna até na sombra, já que as maiores estrelas cariocas, festejadas em cartazes, placas e luminosos de preço pelos pontos principais da cidade são os nomes desses senhores poderosos.

Poucos a chamam Serzedelo, que o carioca abrevia os nomes para os desmoralizar ou humanizar. Necessário não esquecer que vivemos numa cidade em que chope é garoto, jirimum é abóbora, camarada é cara, ônibus refrigerado é frescão. A Serzedelo passou a Praça dos Paraíbas. Ou Praça dos Paus de Arara, devido aos pingentes urbanos nordestinos, que tangidos pela fome e falta de condições de vida, juntam-se aos sábados e domingos no pequeno pedaço de território democrático dentro de Copa.

Cada milímetro tem história. Cada horário, seu povo particular. Seu chão é talvez o mais vivido e sofrido de Copacabana. Recebe de tudo, rejeita nada, espécie de capital cultural do bairro, inda mais aos domingos, quando abriga crianças, babás, velhos senhores aposentados quentando sol, empregadinhas domésticas e seus namorados que batalham na construção civil, bíblias, lambe-lambes, engraxates, Exército da Salvação, consertadores de persianas e de cadeiras de palhinha, sorveteiro, vendedores de amendoim e de algodão de açúcar e gentes variadas, numa misturação de cores, cheiros, nacionalidades. A noite, invariavelmente é um circo que junta homem que engole fogo, gilete ou metais, mulher-que-sobe-em-escada, cantadores nordestinos, sanfona, triângulo, pandeiro, violões e até guitarras elétricas, flertes, namoros, brigas, gentes nos pontos de ônibus, lá defronte aos correios, cachorros, esmoleiros, desocupados, domingueiramente. A noite, parece nascer gente do chão. [...]

JOÃO ANTÔNIO. Ô Copacabana! Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1978. p. 35-36.

1 Explique o título “Ô Copacabana!”.

2 Qual é o tema central desse texto?

3 Que tom o narrador usa para se referir ao político Serzedelo Correia, que foi prefeito do Rio de Janeiro em 1910? O que pode ser inferido desse tom?

4 Releia e explique os trechos a seguir:

a) Das praças do nosso bairro, poucas e mirradas, uma é um capítulo nordestino, com variações para o norte, inda mais naquele trecho em que há uma touceira de palmeiras ao lado dos bancos laterais.

b) Ali, ninguém sabe quem foi quem.

c) E, desconfiando que tenha sido hábil especulador imobiliário desses que correm a perna até na sombra, já que as maiores estrelas cariocas, festejadas em cartazes, placas e luminosos de preço pelos pontos principais da cidade são os nomes desses senhores poderosos.

d) Cada milímetro tem história. Cada horário, seu povo particular. Seu chão é talvez o mais vivido e sofrido de Copacabana.

e) Recebe de tudo, não rejeita nada, espécie de capital cultural do bairro, inda mais aos domingos, quando abriga crianças, babás, velhos senhores aposentados quentando sol [...]

5 Faça uma analogia entre o tom das narrativas “Ai de ti, Copacabana” e “Ô Copacabana!”.

6 Leia:

As crônicas têm diversas motivações e formas de apresentação, como:

provocar riso por meio da narração ou da descrição objetiva de um fato real ou imaginário;

promover uma reflexão por meio de uma exposição argumentativa, narração ou descrição de um fato de conhecimento público ou pessoal;

definir um sentimento por meio de um relato ou descrição, baseando-se, por exemplo, em uma experiência pessoal.

a) De qual dos recursos acima Rubem Braga se utiliza, na crônica que você leu, e com que finalidade?

b) De qual dos recursos acima João Antônio se utiliza, na crônica que você leu, e com que finalidade?


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