Releia o texto “5 motivos para acreditar no futuro” e responda o que se pede:
Às vezes você desanima diante das notícias do Brasil e do mundo? No fundo, acha que esse filme vai acabar mal? Então, resgate sua fé na humanidade lendo este artigo da psicoterapeuta Lidia Rosenberg Aratangy. Seu otimismo pode nos contagiar porque ele não é cego, e sim fruto de um olhar justo e generoso.
Em todas as gerações há profetas que anunciam o fim dos tempos, como se coubesse à sua época a tarefa de gerenciar a falência de nossa civilização. Também desta vez os arautos do apocalipse soam trombetas denunciando que o mundo vive um momento inédito e irreversível de violência e perda de valores. Não é o que vejo. O fato de termos armas mais poderosas faz guerras mais mortíferas, mas não eram menos cruéis as cruzadas de antigamente. A lembrança de que a escravidão foi aceita com naturalidade durante séculos é suficiente para demonstrar que já fomos piores do que somos hoje. Ainda precisamos melhorar, mas não tenho dúvidas de que não nos perdemos do bom caminho. O paradoxo é que o mal parece mais interessante do que o bem, como se apenas na maldade houvesse mistérios a desvendar. Por isso, quem se orienta somente pelas manchetes não compartilha do meu otimismo em re lação ao futuro. Quem tiver olhos para ver, porém, terá bons motivos para acreditar no que há de vir.
1. A crescente solidariedade
Sempre existiram loucos e fanáticos. Não creio que sejam proporcionalmente mais numerosos em nossos dias do que em outros tempos. Mas hoje, com o amplo sistema de comunicação de que dispomos, as notícias chegam rapidamente ao conhecimento de muitos. E a mídia, confirmando e alimentando nossa perversão, considera os vilões mais atraentes do que os heróis e dirige nosso olhar para o lado maligno dos fatos que relata. Veja alguns exemplos.
Quem é o protagonista?
Muitos se lembram do episódio, acontecido há alguns anos num shopping de São Paulo, em que um infeliz rapaz metralhou a pla teia de um cinema. O moço foi capa das principais revistas do país, seu nome frequentou as manchetes de todos os jornais, seus pais foram entrevistados por jornalistas sequiosos de descobrir como eles tinham criado um monstro. Mas nenhuma matéria deu des taque ao outro protagonista da mesma história: o rapaz que se levantou da plateia e se jogou contra o atira dor, imobilizando-o e impedindo que a matança con tinuasse. Ele não foi capa de revista, ninguém pro curou seus pais para saber como se cria um he rói. Hoje ninguém lembra o nome dele (Renato Luce na de Mello), nem o que ele fazia (era estudante de publicidade), nem que idade tinha (24 anos, como Ma teus, o infeliz estudante de medicina, autor da chaci na). A mensagem para os adolescentes foi inequívoca: é mais fácil ser capa de revista como bandido do que como herói. Mas quem convive com nossos jovens sa be que há, entre eles, mais Renatos do que Mateus. In felizmente esses não são matéria de jornais e revistas.
O que vale mais?
Até hoje os noticiários passam e re passam a imagem dos aviões explodindo contra as Torres Gêmeas. Mas aquela corrente de solidarie dade que se formou quando a poeira da explosão ainda nem tinha baixado, aquela gente que chegava afoita, trazendo de casa o que encontrava para ajudar os bombeiros (toalhas molhadas que refres cavam suas faces crestadas, litros de leite para aplacar a sede, celulares que passavam de mão em mão, intermináveis filas de pessoas oferecendo sangue e remédios) – essa imagem parece esqueci da. Mas eu não esqueci e tenho certeza de que a massa que nos constitui, os humanos, é feita mais dessa solidariedade que daquele ódio.
Quem nos representa?
O sentimento de tristeza e horror que nos tomou no fatídico 11 de março de 2004 se traduzia numa frase: “Somos todos madrilenhos” (a frase apareceu pela primeira vez num cartaz em Barcelona, terra dos catalães, os maiores rivais dos madrilenhos). O mundo chorava, como se nossos filhos e amigos estivessem naquele trem. No dia se guinte, multidões saíram às ruas, nos mais distantes países, chorando e pedindo paz. Ninguém põe em dú vida que havia muito mais gente partilhando desses sentimentos do que a dúzia de fanáticos que pratica ram os atentados. Portanto, deve haver, no patrimônio genético da humanidade, mais genes de boa qua lidade a ser transferidos para as gerações futuras.
2. O aumento da tolerância
Apesar do eventual recrudescimento de preconceitos aqui e ali, estamos mais tolerantes para com as diferenças e as fraquezas humanas: o divórcio é reconhecido na maioria dos países, as mulheres solteiras ou divorciadas já não são marginalizadas, os homossexuais estão protegidos por lei, o racismo é considerado crime. As escolas preocupam-se em facilitar a inclusão de alunos deficientes – o que, sem dúvida, beneficia o desenvolvi mento das crianças normais. A tecnologia cria recursos para compensar nossas fraquezas e deficiências (elevadores com marcadores em relevo para quem não enxerga, telejornais com linguagem gestual para quem não ouve, ôni bus com degraus mais baixos para facilitar o acesso de idosos). Diversas composições familiares são hoje aceitas: as chefiadas por mulheres (separadas ou solteiras), as formadas por filhos de diferentes casamentos ou por pais que detêm a guarda dos filhos – todas equivalentes em seus direitos e angústias.
E, no âmbito da política mundial, o que dizer da criação da União Europeia? A ideia de que alemães e franceses criariam um único país para todos pareceria, há 50 anos, a mais desvairada ficção. O mesmo espanto vale para o Mercosul, que congrega brasileiros e argentinos em torno de interesses comuns. Mas ainda espero que cheguemos a uma etapa em que as diferenças entre os indivíduos e as culturas, mais do que toleradas e respeitadas, passem a ser festejadas numa celebração à infinita criatividade da vida, que oferece tão diversas formas de adaptação à mesma humanidade.
3. A valorização da ética
Há um paradoxo na nossa relação com a ética. Pais, filósofos e educadores concordam quanto aos valores a ser preservados e transmitidos. A questão é que a crença nos valores se dá no atacado e no abstrato, en quanto sua transmissão se faz no concreto das relações cotidianas. Aí se instala a contradição. Ficam desacreditadas as solenes exposições pedagógicas sobre disciplina e respeito aos direitos do outro quando a esco la é conivente com brincadeiras agressivas; os repetidos sermões sobre limites ficam sob suspeita se os pais passam pelo acostamento quando a estrada está congestionada ou param em fila dupla na frente da escola; nossas conversas sobre integridade ficam comprometidas quando compramos vídeos e discos pirateados ou fazemos ligações clan destinas de TV a cabo. Talvez a coerência não seja um atributo dos humanos: sentimentos contraditórios con vivem tranquilamente dentro de nós. Infelizmente tam bém somos muito distraídos: a maior parte do tempo, funcionamos sob o comando de um piloto automático, que nos empurra para o caminho mais fácil, esquecidos dos valores que deveriam nortear nossas escolhas. Mas nossas crianças prestam atenção nos nossos gestos – e gravam mais nossas atitudes do que nossas palavras.
Assim, estamos longe da perfeição, mas a hipocrisia está um passo à frente do cinismo, na medida em que o hipócrita sabe qual é o caminho do bem, reconhece que deveria percorrê-lo, mas não consegue pôr em prática sua crença teórica. Diferentemente do cínico, que nega a validade de qualquer escolha e adota o princípio do “não tenho nada com isso” com um alie nado encolher de ombros. Esta talvez seja a verdadeira ameaça a nos desviar do caminho de um futuro melhor. Uma geração de jovens cínicos e alienados poderia, de fato, pôr tudo a perder. O mundo será melhor quando cuidarmos para que nosso comportamento reflita nossos princípios e transformarmos os discursos sobre fraternidade em gestos de solidariedade. Aí, então, a opção pelo caminho da ética se fará não por temor à punição ou à censura, mas como exercício de amor-próprio, como um componente da dignidade.
4. A força da família
A participação efetiva da mulher no universo do trabalho levou as empresas a valo rizar atributos antes considerados fragilida des femininas (como a inteligência emocional), e já não precisamos nos virilizar para sermos bem-sucedidas. Ainda há muito a melhorar (a mulher continua ganhando menos do que o homem quando ambos exercem a mesma função), mas o envol vimento com a carreira já provocou mudanças na dinâmica familiar. Desenvolve-se um jeito novo de ser pai, criou-se uma parceria mais simétrica e verdadeira entre homens e mulheres – um dos alicerces importantes na construção de um futuro melhor. Ao contrário do que se temia, essa simetria entre os membros do casal fortaleceu os laços familiares e provocou uma participa ção mais efetiva do homem na vida doméstica e um convívio mais íntimo entre pais e filhos. No meu trabalho de terapeuta, sou procurada por famílias que desejam encontrar caminhos para manter desobstruídos os ca nais de comunicação para que os seus encontros sejam momentos afetivos de trocas e interesses verdadeiros, e não meros pretextos para sermões e cobranças.
5. O cuidado com o meio ambiente
Mais um motivo para alimentar minha fé no futuro é a percepção de que temos hoje uma preocupação genuína com as consequências a longo prazo de nossas escolhas, em contraposição ao imediatismo irresponsável e egoísta: somos capazes de plantar jabuticabeiras, literal e simbolicamente, mesmo sabendo que não seremos nós a saborear os frutos. Estamos menos cegos e arrogantes, mais dispostos a assumir nossa responsabilidade na cadeia da vida, a preservar outras espécies e salvar as que estão ameaçadas de extinção. Há sinais claros de que estamos mais conscientes da necessidade de cuidar do meio ambiente, de passar a nossos filhos e netos uma Terra menos poluída e mais cuidada (o uso de materiais recicláveis, a coleta seletiva do lixo, a preocupação com os mananciais são exemplos dessa tendência). Enquanto espécie, estamos mais dispostos a assumir nossa responsabilidade para com o outro, por mais distante e desconhecido que seja. Hoje, nos preocupamos mais do que no passado com a tarefa de garantir uma vida melhor no nosso planeta azul.
ARATANGY, Lidia Rosenberg. Claudia, São Paulo, Abril, jun. 2004, p. 148-151.
arauto do apocalipse: o mesmo que “anunciador do fim do mundo ou da humanidade”.
sequioso: extremamente desejoso, ávido.
afoito: apressado, ansioso.
crestado: queimado, tostado.
catalão: natural ou relativo à Catalunha, região da Espanha.
madrilenho: natural ou relativo a Madri, capital da Espanha.
recrudescimento: intensificação, aumento.
no atacado: de uma vez só.
conivente: cúmplice.
virilizar: tornar forte, robustecer.
1. "Seu otimismo pode nos contagiar porque ele não é cego, e sim fruto de um olhar justo e generoso"
a) Quem é o autor dessa linha fina? Justifique sua resposta.
b) Qual é o objetivo da linha fina?
c) Identifique e explique uma metáfora presente na linha fina.
2
Releia o primeiro parágrafo do texto, a introdução do
artigo de opinião. Registre no caderno a alternativa em que o exemplo não corresponde
ao recurso argumentativo usado pela articulista nesse trecho do texto.
a)
Contraposição às opiniões citadas
anteriormente.
[...]
Não é o que vejo. [...]
b)
Uso da primeira pessoa do plural para
buscar a adesão do leitor e comprometê-lo com as mudanças.
[...]
Ainda precisamos melhorar [...]
c)
Recurso da comparação de fatos e ideias.
• [...] o mal parece mais
interessante do que o bem [...]
• [...] guerras mais mortíferas,
mas não eram menos cruéis [...]
• [...] já fomos piores do que
somos hoje. [...]
d)
Reiteração de ideias sensacionalistas da
imprensa.
[...]
quem se orienta somente pelas manchetes não compartilha do meu otimismo [...]
e)
Alusão àqueles que repercutem a descrença
no futuro da humanidade.
• [...] há profetas que anunciam o
fim dos tempos [...]
• [...] arautos do apocalipse soam
trombetas denunciando que o mundo vive um momento inédito e irreversível de
violência e perda de valores. [...]
3 Qual é a tese defendida pela articulista?
4 Para defender sua tese e convencer o leitor, a articulista usa figuras de linguagem. No caderno, explique as figuras empregadas em:
a) [...] Mas quem convive com nossos jovens sabe que há, entre eles, mais Renatos do que Mateus. [...]
b) [...] O mundo chorava, como se nossos filhos e amigos estivessem naquele trem. [...]
c) [...] Mas aquela corrente de solidariedade que se formou [...]
d) [...] ‘Somos todos madrilenhos.’ [...]
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